sexta-feira, 22 de abril de 2011

Entre a exegese e a homilia, o livro do Papa é bom de ler e meditar

Bento XVI escreve sobre Jesus de Nazaré “como discípulo”, disse o Bispo de Aveiro. P.e Júlio Franclim, biblista, apreciou a profundidade e o equilíbrio do Papa que é teólogo.

“Sinto que nos fascina a pessoa de Jesus Cristo e nos encanta o modo como o Papa fala de Jesus Cristo”, afirmou D. António Francisco na sessão de apresentação de “Jesus de Nazaré”. Este segundo de três volumes dedicados à pessoa de Jesus Cristo por Joseph Ratzinger / Bento XVI (o primeiro é de 2007) foi “escrito, rezado e meditado com os olhos postos em Jesus e o coração aberto ao mundo”, “como discípulo”, afirmou o Bispo de Aveiro, Seminário de Santa Joana, na noite de 30 de Março.
Coube ao P.e Júlio Franclim, doutorado em Teologia Bíblica, uma análise mais pormenorizada. O biblista observou que na obra há unidade entre o Cristo da fé e o Jesus da história, referindo-se à longa polémica bíblica, alimentada principalmente pelo teólogo alemão Rudolf Bultmann (1884-1976), segundo a qual o “Cristo da fé” (o que importa para os crentes), transmitido pelos evangelhos e pela Igreja, é diferente do Jesus da história, do qual, aliás, segundo defende a tese, pouco se pode conhecer. Embora a tese ainda persista nos meios académicos, os estudos bíblicos há muito que vêm mostrando a continuidade entre a história (o que Jesus foi historicamente) e a fé (o que dele se acredita). Bento XVI, “sem tons de polémica, mas com serenidade”, afirma que o “Cristo real” é o “Cristo da fé”. “O «Jesus real» é o único que torna possível uma cristologia”, afirmou P.e Júlio Franclim, realçando, no entanto, que a obra de Bento XVI não é “nem uma vida de Cristo” (um género muito comum no final do séc. XIX, que consistia em tentativas de biografias), “nem uma cristologia” (um estudo dogmático da pessoa de Jesus). É algo que se situa entre a exegese, porque parte sempre do texto bíblico, e a homilia, porque tece considerações para os tempos actuais.
O biblista notou que Bento XVI defende que “o método histórico-crítico já deu o que tinha a dar”. Este método, em traços gerais, analisa o texto bíblico (ou outro texto antigo) em pequenos segmentos e camadas, explicando a sua formação e determinando o que significaram num tempo, lugar e cultura distantes, mas sem se concentrar na mensagem para os dias de hoje. Ora, Bento XVI, disse o biblista, evitou “certa exegese que trata a Sagrada Escritura como um cadáver. Retalha, retalha, retalha e não se vê qualquer vida. Felizmente vai noutro sentido”. Daí que logo no início da sua apresentação se congratulasse com o livro Papa-teólogo. “Todos os anos, por esta altura [Páscoa], surge uma polémica à volta de Jesus Cristo. Este ano temos algo diferente. (…) Li o livro. Não era obrigatório. E gostei. Não era obrigatório, mas gostei”, afirmou. “A maneira leve como diz as coisas, sendo um teólogo profundo, espantou-me. Dei comigo a meditar”, disse.
O livro de Bento XVI tem como subtítulo “Da entrada de Jerusalém até à Ressurreição”. Os nove capítulos e o apêndice abordam os acontecimentos que a Igreja celebra na Semana Santa mais a Ascensão, o que levou o Bispo de Aveiro a afirmar que é um livro óptimo para o tempo da Quaresma/ Páscoa que estamos a viver.
Na sessão esteve Carmo Diniz, representando a Princípia, que, como disse, é “uma editora independente com matriz católica”. A responsável afirmou que quando o editor Henrique Mota entregou ao Papa um exemplar da edição portuguesa, este disse estar “espantado e muito agradecido” por estarem previstas apresentações públicas em 13 dioceses com os respectivos prelados. Carmo Diniz transmitiu ao Bispo de Aveiro os agradecimentos do Papa.

J.P.F.


(Correio do Vouga de 6 de Abril de 2011)

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